Um leilão do governo federal para garantir o suprimento de energia em Roraima deve contratar novas térmicas e usinas de geração renovável no Estado, podendo ainda viabilizar projetos inovadores, como híbridos ou de baterias, disse à Reuters um executivo da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Roraima, que não está conectada ao sistema elétrico interligado do Brasil, depende atualmente da produção de caras termelétricas a diesel, parte delas com contratos a vencer, e de importações de energia da Venezuela, cada vez mais instáveis. Com o recente apagão no país vizinho, o Estado dobrou o uso de combustíveis em térmicas nos últimos dias.
Agendado para 31 de maio, o leilão já atraiu interesse de diversos investidores, que cadastraram um total de 156 projetos junto à EPE para disputar os contratos de fornecimento que serão assinados junto aos vencedores, com duração de 7 a 15 anos.
“Tem projetos a gás, tem combinação de térmica com solar fotovoltaica, térmica com bateria, térmica sozinha, térmica a óleo com biomassa… ao todo tem uma oferta de cerca de 6 gigawatts em capacidade”, disse o superintendente de projetos de geração da EPE, Bernardo Folly de Aguiar, ao detalhar à Reuters o total da capacidade que pode entrar na disputa.
“Hoje, a demanda em Roraima está entre 200 megawatts e 250 megawatts, então existe uma oferta cerca de 30 vezes maior que a demanda. Óbvio que muitos desses projetos não serão habilitados, mas dá para ter uma competição importante”, acrescentou ele.
Os projetos incluem iniciativas desde empresas locais até de grandes elétricas que já possuem investimentos no Brasil, segundo Aguiar, que não citou nomes.
Uma consulta pública do Ministério de Minas e Energia sobre o leilão teve entre os participantes companhias como a italiana Enel Green Power, a AES Tietê, da norte-americana AES, e as brasileiras Eneva, de geração térmica, e Casa dos Ventos, de projetos eólicos.
Procuradas, as empresas não quiseram comentar o leilão.
O perfil da licitação abre espaço para que Roraima limpe sua matriz elétrica, eventualmente trocando térmicas a diesel por usinas a gás e geração renovável ou baterias, a depender da competitividade dessas fontes na disputa, disse o chefe da consultoria em energia Tempo Presente, Ricardo Lima.
“Minha expectativa é que renováveis possam ser vencedoras desse leilão, porque continuar com soluções à base de diesel para aquela região não é o melhor. Ali há um potencial muito grande para geração solar e eólica”, afirmou.
Ele disse que estimativas do Banco Mundial apontam para excelentes índices de ventos na região e irradiação solar comparável a partes da Bahia, embora não existam medições certificadas, o que cria certo nível de risco para os investidores.
Além disso, Roraima tem potencial para térmicas movidas a biomassa de árvores acácia-negra e casca de arroz, segundo ele.
SISTEMÁTICA
As regras do leilão para Roraima preveem entrega dos projetos a partir de junho de 2021 e a contratação de dois produtos— um de “potência”, para o qual puderam se cadastrar usinas térmicas de qualquer fonte, renováveis e outras tecnologias, e um “energia”, apenas para renováveis.
A maior parte da contratação deve envolver “potência”, para garantir produção confiável de energia, com usinas do produto “energia” como complemento para reduzir o custo com combustível.
“A configuração prioriza o produto potência, é certo que isso vai ser contratado, mas a gente fez o produto energia obviamente para ter contratação, sim. Vai ter uma demanda específica para esse produto”, explicou Aguiar, da EPE.
Segundo ele, cerca de 4,76 gigawatts dos projetos cadastrados são para o produto potência, enquanto o produto energia, focado em renováveis, atraiu cerca de 1,24 gigawatt.
Mas a competitividade de cada projeto e fonte na disputa dependerá também de fatores bastante específicos do mercado de Roraima, apontou Lima, da Tempo Presente.
Ele disse que usinas a gás precisariam ser abastecidas com Gás Natural Liquefeito (GNL) ou Gás Natural Comprimido (GNC) enviados em navios ou caminhões, devido à falta de infraestrutura local de gás, o que gera custos adicionais, enquanto usinas solares são prejudicadas na concorrência pelo pico de demanda local, que ocorre no meio da madrugada.
“O consumo residencial lá é o dobro do resto do país e o pico de carga é no período noturno, entre meia-noite e 2h da manhã, pelo ar-condicionado. É totalmente diferente (do resto do Brasil). Para projetos solares, uma solução híbrida, com baterias, fica mais conveniente”, apontou.
O edital com as regras do leilão foi colocado em audiência pública pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e receberá contribuições até o final de março.
Fonte: Reuters