Rodrigo Conceição Santos (InfraDigital*) – 27.10.2020
Conhecimento e obediência às principais normas regulamentadoras para segurança do trabalho podem salvar vidas e reduzir prejuízos aos provedores de telecomunicações, mostra o consultor Marcius Vitale.
As instalações e manutenções de redes de telecomunicações são cada vez mais perigosas, custosas e letais. É o que mostra o engenheiro Marcius Vitale. Ele é consultor especializado em infraestrutura de redes de telecomunicações, preside a Associação dos Diplomados do Inatel (Adinatel) e coordena o grupo de infraestrutura de telecomunicações do Sindicato dos engenheiros do Estado de São Paulo (Seesp). O consultor coordena pesquisas e estudos sobre o ordenamento das redes aéreas e subterrâneas de telecomunicações no Brasil e um dos temas-foco de suas aplicações é a normatização para segurança do trabalho dos profissionais de campo de telecomunicações. O especialista dedicou o assunto aos provedores de serviços de internet (ISPs) durante palestra realizada na 5ª edição virtual do FTTH Meeting, na semana passada.
A incidência de quedas, asfixiamentos, choques elétricos e outros tipos de acidentes para os profissionais de redes de telecomunicações é consequência do crescimento desse mercado, mas devem ser combatidas, segundo Vitale. Ele contextualiza que a maior demanda por conectividade exigiu igualmente uma quantidade maior de redes em postes, instaladas pelos cerca de 12 mil ISPs que atuam no Brasil. “Esse cenário, de várias redes, é relativamente novo e é por ele que começamos a entender a necessidade de uma atuação mais efetiva por parte dos gestores para reduzir os riscos de acidentes”, diz, ao mostrar uma imagem com emaranhado de cabos de telecomunicações pendurados em um poste.
O especialista resgata o histórico do setor desde a criação da antiga Telebrás, em 1972, como holding estatal que controlava as empresas operadoras estaduais de telecomunicações e que foi posteriormente privatizada, em 1988. A partir da privatização, abriu-se caminho para a instalação de novas redes, mas as normatizações e a fiscalização sobre elas não avançaram na mesma velocidade, resultando no cenário desorganizado que temos hoje.
Risco de morte por choques elétricos
A faixa destinada pelas elétricas para as redes de telecomunicações (de 500 mm por poste) é insuficiente para a instalação segura de um número acima do normal de cabos e/ou emendas. Isto fez com que muitos provedores instalem suas redes fora das especificações. “Nos velhos tempos, antes da privatização, havia a rede da distribuidora de energia e apenas uma rede da empresa de telefonia que atuava no estado, agregando depois a rede de TV a cabo. Além disso, a gestão era centralizada. Estávamos em um ambiente infinitamente mais fácil de controlar”, diz.
Era permitido que apenas um cabo metálico de até 200 pares da operadora estadual de telecomunicações fosse instalado na rede aérea. Além disso, os projetos das redes de telecomunicações eram desenvolvidos pelas próprias operadoras estaduais e aprovados pelas elétricas. “A gestão e fiscalização tanto das elétricas como das operadoras de telefonia era mais atuante. Estávamos trabalhando, portanto, em um ambiente controlado e com pouca ocupação dos postes”, adianta.
A pulverização do mercado nos últimos anos resultou em cenário inverso, com redes densas e grande número de cabos ópticos e metálicos dependurados, grudados uns aos outros, ultrapassando o limite determinado pelas elétricas e chegando, muitas vezes, próximos à rede primária de distribuição de energia e transformadores. “O desrespeito ao distanciamento correto entre os cabos de energia e de telecom é um facilitador para a ocorrência de acidente com consequência danosa”, pontua Vitale.
Em 2019, quase setecentas pessoas morreram em decorrência de choque elétrico no Brasil. Entre elas estavam uma vasta gama de profissionais, curiosos, transeuntes, eletricistas e também técnicos da área de telecomunicações. Os dados são da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel) e chamam atenção pelo alto índice de letalidade: do total de 909 acidentes elétricos registrados no ano, 697 resultaram em morte (letalidade de 76,6%). “Foram vidas que perdemos para atitudes imprudentes e que, infelizmente, continuamos a ver repetidamente nas cidades”, diz Vitale.
Ele se refere a técnicos do setor de telecom que apoiam a escada nos postes e nos cabos entre os vãos dos postes, ou mesmo aqueles que trabalham sem equipamentos de proteção individual e coletivo. “A prevenção desses casos é regida pela Norma Regulamentadora 10 (NR-10), que trata de segurança em instalações e serviços em eletricidade”, diz Vitale. “E isto vale para todos que interagem direta ou indiretamente com instalações elétricas e serviços de eletricidade, seja nas fases de geração, transmissão, distribuição ou consumo, incluindo as etapas de projeto, construção, montagem, operação e manutenção das instalações elétricas”, salienta.
Em detalhes, o especialista explica aos provedores de telecomunicações o que deve ser observado, descrevendo os efeitos estimados da eletricidade no corpo humano. “Um choque de 1 mA é apenas perceptível, mas com 10 mA já agarra a mão da pessoa. A carga máxima tolerável ao ser humano é de 16 mA, sendo que um choque de 20 mA já causa parada respiratória, 100 mA incorre em ataque cardíaco e 2 Amperes em parada cardíaca”, diz.
Quedas também causam acidentes graves
Os choques elétricos não são os únicos causadores de acidentes graves aos profissionais de telecomunicações. Embora não haja números consolidados no Brasil, quedas de trabalho em altura e asfixia em trabalho no subterrâneo são outros pontos de atenção a esses trabalhadores. “A NR 35 (Trabalho em Altura) estabelece as regras de segurança para esse tipo de atividade a partir de 2 metros. E é obrigatória a observância e cumprimento das suas especificações”, diz Vitale.
Segundo ele, as quedas são frequentemente motivadas por falhas no escoramento das escadas nos postes ou vão entre postes, além de ausência de sinalização correta para o trânsito e a falta de equipamentos de proteção individual (EPI) e coletivo (EPC). “A não obediência a essa e a outras normas é passível de responsabilidades jurídicas, tanto na esfera civil como na trabalhista, na previdenciária e até na criminal”, diz ele. “Além disso, caberão sansões por parte da distribuidora de energia, pois muitas estabelecem em contrato que toda e qualquer instalação a ser executada pela ocupante dos postes deverá ser feita por técnicos devidamente treinados, qualificados e equipados, ficando a ocupante responsável por qualquer risco aos seus funcionários ou a terceiros”, completa.
Nos contratos de compartilhamento de poste também são estabelecidos pagamentos de indenizações, danos morais ou materiais no caso de negligência ou inobservância das normas vigentes para segurança e saúde do trabalho. “Portanto, não é opção e sim obrigação conhecer e seguir as normas”.
Além da NR-10, sobre serviços elétricos, e da NR-35, para trabalhos em altura, Vitale ressalta a NR-03, que rege sobre embargos ou interdição de obras. “Isso pode representar grandes prejuízos para os provedores de telecomunicações”, adianta. Ele explica que o embargo pode ser a paralisação total ou parcial e considera-se como obra todo e qualquer serviço de engenharia, seja na construção, na reforma, montagem instalação ou manutenção de estruturas. “Nesses dois últimos tipos de serviço estão claramente enquadradas as manutenções e instalações de redes de telecomunicações”, segundo Vitale.
Ratos, passarinhos e baratas
Com mais de cinco décadas de carreira, Marcius Vitale usa exemplos do passado para contextualizar os perigos das operações atuais de telecomunicações. As instalações e manutenções de redes em caixas subterrâneas estão nesse paradoxo: “Embora a maioria dos provedores ainda não esteja trabalhando em caixa subterrânea, é necessário entender a NR-33 (Espaços Confinados), pois cedo ou tarde os avanços no compartilhamento de redes e outras demandas de instalação e manutenção exigirá a atuação dessas empresas neste tipo de ambiente”, diz.
No subsolo, os profissionais estão sujeitos a gases nocivos presentes no interior da caixa subterrânea, “Costumo ver serviços de manutenção de redes nos quais os técnicos simplesmente abrem o tampão da caixa subterrânea, põe a escada e descem, sem fazer qualquer teste para identificar a presença de gás combustível e outros perigos”.
A morte por asfixiamento é uma das causas de acidentes mais comuns em ambientes subterrâneos, pois o gás lá presente é inodoro (sem cheiro), diferente de outros gases, como o de cozinha (GLP), ativado com substâncias para que sintamos o odor. “Portanto, é muito perigoso, pois não há aviso: o profissional ao adentrar no ambiente confinado, silenciosamente pode perder os sentidos com enorme possibilidade de vir a óbito”, diz Vitale.
Os gases presentes nas caixas subterrâneas são os causadores dos acidentes que ficaram conhecidos como “explosão de bueiros”, observados nas últimas décadas em cidades brasileiras. Mas eles já foram identificados há tempos, antes mesmo da criação da Telebrás, nos anos 1970. “Nessa época, utilizavam um passarinho para detectar a presença de gás nas caixas subterrâneas. Isso mesmo: com um barbante, desciam a gaiola do passarinho por alguns minutos. Se ele voltasse vivo, significava que não havia gás”, lembra o consultor.
Dado o absurdo ecológico, essa técnica evoluiu depois para a detecção de gás com ampolas, que eram dispostas no interior das caixas subterrâneas. Elas continham um líquido especial, envoltas em algodão, e eram quebradas com um alicate para que o líquido especial umidificasse o algodão que, por sua vez, reagia com a presença do gás, ficando com coloração escura. “Se fosse constatada a presença do gás, fazia-se a retirada da água da caixa subterrânea e a instalação de um exaustor para oxigenar o ambiente”, diz.
Em algumas situações, esses testes não eram necessários, pois os ratos davam o sinal verde para a operação. “Onde há rato não há gás. Diferente das baratas, bastante presentes nas caixas subterrâneas e capazes de viver em qualquer condição”, pontua Vitale.
Atualmente e impulsionados pela série de explosões de caixas subterrâneas no Rio de Janeiro recentemente, os profissionais do setor contam com um equipamento específico, chamado explosímetro. Trata-se de dispositivo dotado de um êmbolo que capta amostra do ar existente no subterrâneo e aponta ou não a presença de gás no ambiente confinado.
Na avaliação do especialista, o explosímetro ainda é a técnica mais eficiente para a detecção de gases nocivos e ele deve ser aplicado em conjunto com todas as outras diretivas relatadas neste texto e presentes em detalhes nas normas regulamentadoras igualmente citadas. “Trabalhamos para falar no futuro próximo que a educação operacional está salvando vidas sem nem mesmo sacrificarmos os passarinhos ou contarmos com a ajuda horripilante de ratos e ratazanas”, conclui.
Fonte: Infraroi